domingo, 3 de julho de 2011

Contos para vinte e nove de maio

Narcisa

Olhos amendoados. Mistura de raças, segundo os comentários das ruas.

Prenúncio de ancas redondas e rijas, cadência de samba nos passos e rosto de princesa de ébano na tez da face.

Os rapazolas, endoidecidos, no cerco da conquista. Ela, nada. Apenas, criança. Com as bonecas, com as casinhas, com as danças.

Um dia, no rio, a imagem na água parada. A beleza como susto. Na volta, a quebra da pureza de Narcisa.


Náusea

Jeca meteu-se por entre a multidão. Ouviu o prefeito, o padre, o delegado, o pastor, o causídico, todos a discursar a favor dos menos favorecidos.

Quando a multidão se dispersou, os oradores sacudiram as palavras vazias e meteram-se na rotina burguesa.

E o pobre Jeca, que a tudo assistira boquiaberto, voltou para o seu casebre estômago em náusea, mais vazio ainda.


Nonato Lábios de Tesoura

A humildade dos pais: parvoíce de matutos. A calma da pequena vila: cemitério de néscios. O esforço do velho mestre: naftalina pedagógica. As meninas do lugarejo: raparigas insípidas.

Na juventude, a saída. “Cambada de medíocres! Já vou tarde.”

Na curva seguinte, a paz nas ruas e as lágrimas nos olhos dos pais.

Uma década após, a volta de Nonato. Num caixão de pinho barato. Rixa de cidade grande. Os lábios de tesoura fechados a pólvora.

No velório, os pais, duas carpideiras e um bêbado solícito e conversador a lembrar as façanhas de Nonato. Cuidaram, então, de abreviar as rezas e enterrar o morto.

Discurso de posse na AMOL (27/05/2011)

Por Clauder Arcanjo

Exmo Sr. Elder Heronildes Presidente da Academia Mossoroense de Letras

Demais autoridades que constituem esta mesa acadêmica

Minhas senhoras e meus senhores

Milton Pedrosa e Passos Cegos, o romance de Mossoró

“Ridículo, ouvir alguém alardear honestidade, como se merecesse

uma medalha por isso. Parece até coisa que lhe pesa muito.

Quando ela fala, a gente tem impressão de que a

honestidade é um fardo muito difícil de carregar.

Talvez algumas o façam por burrice ou coisa pior.”

(Milton Pedrosa, em Passos Cegos)

Abri a boca e falei olhando nos olhos dos outros:

Qualquer dia o nosso romance vai embora pro Rio de Janeiro...

Parei bruscamente, em seguida tentei continuar a frase, mas acabei desistindo.

Petas... falou um do bando.

Vou mesmo insisti.

Vai nada... advertiu-me Milton Pedrosa.

Quando escrevi este trecho, era março de 2007, para a seção Autores & Obras, da brava Revista Papangu, quase, quase nada, sabia acerca dele. Apenas que gostava de futebol, e, pelo que pude levantar, estreara com um livro de contos, A face de Marta Belo Horizonte, Cultura.

Ganhara de presente a segunda edição, revista, de Passos Cegos, seu primeiro romance, Coleção Mossoroense, 1980. Mal li o trecho de largada do capítulo “O Estribilho”, fiquei sentado à frente dessa obra de Milton Pedrosa, a esgravatar o chão da minha consciência, riscando as brechas do cimento da omissão com uma ponta de remorso.

Um trecho que fugia da pequena prosa estagnada do interior, a escapar, de qualquer modo, à monotonia das ruas largas e vazias, em cujas casas tínhamos nascido, e onde o Nordeste rodamoinhava pó a tarde inteira. Milton realizara a grande saga do romance mossoroense, e eu, aprendiz de bibliófilo, nem suspeitara disso. Ele havia escapado, desaparecido num mundo de onde poucos mandavam notícias, onde muitos sumiram sem aviso a ninguém, mas Pedrosa escrevera para nós, moradores da terra de Santa Luzia, uma saga de nossa gente.

Não nego que, de início, fiquei afundado em tristeza, a dor da falta, o óbice da minha falha como resenhista. Após cada passagem lida, a dor cruel mais se me aguçava. “Sentia-se perdido em Mossoró, numa vida igual a de muitos outros. Nenhum claro, nenhuma saída, por mais remota que fosse. Olhava para trás, para o passado,via o presente e sentia medo ante o futuro ali na cidade, onde a vida se estagnava, à espera de coisas que não sucediam” palavras de um escritor no pleno domínio da narrativa. Em Passos Cegos, mais do que a saga do mossoroense Ladislau (alter ego de Milton?) rumo à cidade grande, o drama psicológico de toda a sua geração.

“Ladislau estava só na praça vazia. No patamar da igreja, agora apenas calma e silêncio. E no silêncio da noite ele se movia oprimido. Espiou as horas na torre alvacenta, onde um relógio dividia o tempo num sincronismo monótono e indiferente, olhou o céu sem nuvens e, arrastando as pernas, seguiu o caminho de sempre”. É desta forma que o autor ressalta a necessidade da personagem partir, em busca de um futuro incerto, mas desejado. Ao se perder em elucubrações e devaneios, chegando tarde, altas horas da noite, o repelão do pai e o tapa na nuca, atirando-o com violência dentro de casa. “ Isto são horas, ‘seu’ cachorro? Vagabundando até de madrugada...”. “A humilhação aos poucos crescia nele, doendo fino como uma agulha na carne... Um vazio descabido enchia-lhe a alma de desconforto. Era esquisito, mas não guardava rancor do pai. Tinha uma enorme pena dele... E nessa mágoa, crescendo..., desabafava-se num choro silencioso, calmo, molhado de lágrimas, que lhe enchiam a boca de um gosto salgado. Um gosto de vida”.

Ladislau na busca do futuro perdido

A realidade dura e opressora dos homens do barracão, os cassacos espoliados. “Tudo fornecido até certo limite, fixado de antemão. O dinheiro não circulava ali. Existia o ‘vale’, e esse pedaço de papel representava a paga do trabalho da semana”.

Os trabalhadores a cuspirem “pedaços de frases, desiludidos e pacientes”. “Os diálogos cruzavam-se, os pedaços de conversa desenhavam no espaço, como se fossem traços, a miséria coletiva da massa desamparada, que não era dona de suas próprias forças”. O romance, muitas vezes, assume um viés panfletário, e só não descamba para a mediocridade artística, porque o autor é um esmerado narrador, e, quase sempre, emprega o seu texto apenas a serviço do brilho seco e limpo da sua prosa. Quase um Graciliano potiguar, por que não? “Os homens aos lotes, em turma... facilmente substituídos, e o ramerrão continuava, ininterrupto”.

No capítulo ambientado no ataque de Lampião a Mossoró, em 1927, a arguta crítica aos poderosos de então: “A noite veio. Os trens passavam abarrotados de gente na fuga para mais longe, para Grossos e Areia Branca. Muitos, porém, não pensavam em permanecer por tão perto. Banqueiros e grandes comerciantes de Mossoró planejavam embarcar num navio ancorado no porto, ou em qualquer barco, e ficar no meio do mar, até que a sorte da cidade fosse decidida”. Os covardes da resistência.

O capítulo “Um homem gordo” é recheado de construções primorosas. “Passava gente correndo no rumo do Alto da Conceição. Vinha dos lados da cidade. As bodegas, espremidas entre as casas, onde feixes e feixes de lenha se alinhavam aos montes nos ângulos das paredes, eram invadidas e as achas desapareciam, sorvidas pela massa deslizando desordenada, deixando para trás um zumbido de abelhas assanhadas”. O ataque à residência do perseguido: “A massa avançou contra as portas inseguras. As janelas desabaram com estrondo, as portas abriram-se, arriando sobre os batentes. Pelas goelas das portas e pelos buracos das janelas, pobres móveis imprestáveis eram atirados e iam de encontro às pedras nuas debaixo de um céu mudo”.

“Os acontecimentos entravam-lhe pelos nervos adentro como verruma, dando-lhe vontade de ir embora... Mossoró não tinha futuro. Longe, em outros lugares, pelo menos não existia essa certeza de não ser nada, de não mudar as coisas” – Ladislau, ou Milton?, cansado.

Autobiografia de Milton

Todo romance tem um quê de autobiográfico, disto nenhum escritor há de escapar. Com Milton Pedrosa não foi diferente. O tecido narrativo toma, de empréstimo, cenas e fatos da geração de Pedrosa, grande parte da narrativa se desenvolve entre 1920 e 1930. História e estória convivem num entrelaçamento bem equilibrado. Tipos e personagens trazem a força de quem leva a vida a pulsar dentro de si.

Mossoró, entreposto comercial. “Cavalos, burros e jumentos arrastavam-se magros, secos, os ossos espetando a pele... tomados por aquele desalento que dominava os homens, os animais e a terra”. A poeira fina, marca registrada da cidade: “Mossoró vivia na sua modorra, as ruas desertas e nuas. Quando o sol a pino fuzilava nas pedras e o ‘Nordeste’ seco espalhava a poeira de casa adentro, a tristeza crescia ainda mais. Parecia vir de longe no bojo do vento”.

Finalmente, a partida. “ Vai para o Rio de Janeiro...” A noite toda ouvindo a voz descrente: “’ Qual! Você não sai é daqui. Com essa moleza!’ Procurava esquecer, mas o motejo do outro inchava em sua cabeça”. O encontro com Nicácio no Rio, e a desilusão. Em seguida, a conversa com o escritor Bezerra Lopes. “O poeta era a primeira pessoa a descer até ele para explicar as coisas”. O desabafo de Nicácio: “ Umas bestas! Você ainda está com ilusão. São todos uns vendidos!”. “De repente, tudo aquilo esfumou-se... o poeta deixou de existir, no espaço surgiram grandes e negros urubus”. E a esperança dava lugar ao desespero.

Quando na multidão, “olhava ao redor, e que distinguia? Seus olhos apenas viam tristezas na face do próximo. O riso não passava da amargura humana sob disfarce, o mundo não era o que esperava dele... Procurava misturar-se, igualar-se aos demais, fundir-se no todo, e percebia que jamais o conseguiria”. E tal singularidade em Ladislau roía-lhe a carne e o juízo. “Na casa de Bezerra Lopes, o poeta estendeu-lhe a mão. E ele apertou-a, como algum náufrago se agarra a uma esperança salvadora”. Mas somente o homem salva a si mesmo. “Não. Não adiantava. Sua vida vinha era de dentro para fora. Da criança de pés descalços nas ruas largas e vazias da cidade humilde, onde ninguém sabia o que fazer do tempo, e os meninos se educavam com as histórias de cangaceiros, de buracos de balas, de furos de faca, de surras dadas pela polícia, de pedidos para votar em doutor fulano para deputado, da pobreza e da fome. Sim, da pobreza e da fome...”. E seguimos o calvário de Ladislau, descrito de forma respeitosa pela pena de Pedrosa. “ Não se esqueça da gente”, dizem milhões de donas Hildas, espectros de sua madrasta, e “a noite envelhece”.

Milton Pedrosa. “De lá de Mossoró, ele saíra. Não podia sair dele próprio. Do que ficava por dentro. Disso não tinha conseguido fugir, libertar-se definitivamente... O vazio que sentia era um peso obrigando-o a refugiar-se no passado. Era um rio onde outras vidas vinham a se despejar.” E nas pegadas desses passos cegos é que formou a riqueza telúrica desta grande obra. O romance de Mossoró.

Honra imerecida

Hoje, imerecidamente, passo a ocupar a cadeira de número 30, da Academia Mossoroense de Letras (AMOL), cujo patrono é o ícone da imprensa mossoroense Jeremias Nogueira da Rocha, e o seu primeiro ocupante foi ninguém menos do que um dos maiores homens das letras desta terra de Santa Luzia: o contista, cronista, novelista, romancista Milton de Albuquerque Pedrosa. Nascido em Mossoró, aos 17 de novembro de 1911; sim, estamos no ano do seu centenário de nascimento, e a ele rendo todas as graças e vivas desta noite.

Por que imerecidamente?! Explico. Aprendiz de escritor com um livro de contos Licânia (2007), com um livro de minicontos - Lápis nas veias (2009) e, hoje, nesta noite de 27 de maio de 2011, a lançar um pretenso livro de poemas – Novenário de espinhos, como poderia ser digno de ocupar a vaga de um mestre de mais de uma dúzia de belos livros? A face de Marta (contos); Passos cegos (romance); O homem que não gostava de cães (contos); Noite e esperança (novela); O diabo é meu amigo (teatro); Américo, este mundo e o outro (romance); Bibi e os Gonguêos (contos); Gol de letra (ensaio e antologia); Futebol tem cada uma... (sob o pseudônimo de Armando M. Graça); Fantasma em Orós (romance); A velha e os gatos (contos – coletânea)..., dentre outros.

Familiares de Milton Pedrosa, familiares desse mossoroense falecido no Rio de Janeiro aos 21 de dezembro de 1996: nossa gente, nossa imprensa, nossos homens e mulheres e, em especial, esta Casa de Cultura não podem deixar de render aleluias literárias a tão grande mestre, a esse Pedrosa reconhecido nacional e internacionalmente. Com livros traduzidos para o russo, o romeno e o espanhol.

E a você, meu caro Milton, prometo dedicar-me, com arte e engenho, a ser um pouco mais digno da sua augusta memória. A AMOL, que porta a honra de ter em seus quadros o seu nome, nunca será um Paraíso Perdido.

A todos os presentes, em especial aos meus pais, aos meus familiares, aos amigos que promoveram esta noite, na pessoa de Francinete, (sem esquecer a minha musa Biscuí), o meu muito, o meu muitíssimo obrigado.

Saudação a Novenário de Espinhos

Escritor Elder Heronildes, presidente da AMOL

Minha querida coautora Lilia Souza, da Academia Paranaense da Poesia

Meu querido cunhado-irmão deputado federal João Ananias Vasconcelos Neto

Caro amigo-irmão David de Medeiros Leite, cidadão com quem tenho a honra de dividir os destinos da editora Sarau das Letras

Escritor, professor e amigo-incentivador Rafael Sânzio de Azevedo, mestre maior das letras cearenses, um dos ícones da cultura poética brasileira

Autoridades já nominadas

Meus pais Zequinha e Maria, meu irmão José Maria e esposa, demais familiares

Minha querida esposa Luzia (Biscuí) e meus amados filhos (Artur, Mateus e Lucas Francisco), sementes de amor

Membros da imprensa

Peço permissão ao protocolo para saudar o mestre Nonatinho e a escritora Zenaide Almeida Costa (aqui representada pelo seu sobrinho, o médico e amigo Dr. Antônio Leite). Em nome deles, saúdo a todos os confrades e confreiras do Instituto Cultural do Oeste Potiguar, bem como às diversas agremiações e representações da cultura potiguar aqui presentes ou nominadas

Meus queridos alunos e alunas

Minhas senhores e meus senhores

Nesta noite de 27 de maio de 2011, ano do Centenário de nascimento de Milton Pedrosa, colocarei sobre a vossa mesa, caros leitores (sim, pois espero que vós leiais esta obra), o meu terceiro livro — Novenário de espinhos (Sarau das Letras).

Como já anunciei ao longo desta semana, não me peçais para descrevê-lo; “uma obra poética, para mim, é algo indescritível. Misto de dor e riso, alquimia de lágrimas e venturas, amálgama de solidão e companheirismo. Sob certo ponto, compasso de espera e avanço. Imbricação de louvação e amarguras. Banho de bem-aventuranças e desamparos. Luz dos olhos, escuridão dos renegados.”

Uma coletânea de poemas, para mim, é por demais singular. “Capricho das mãos, pulsar dos intestinos, resfolegar do espírito, antojo da alma. Novenário de espinhos.”

“Oh, céus! Oh, céus!/ Quem obra por Cristo?”

Quando (lá se vão alguns anos) me vi de braços com a poesia, um rubor invadiu a minha face, um tremor assomou-me às mãos. Trêmulas mãos.

O cantar das ‘musas’ rasgava-me, então, a carne, e um fogo novidadeiro consumia-me todo.

Quase sempre a madrugada jogava um manto pardo sobre os meus escombros, e eu corria, feito louco infatigável, atrás de um verso bissexto. Pela manhã, no sereno da dor, tal cantiga de galo, menestrel das idiossincrasias da noite, flagrava-me com várias folhas repletas de rabiscos, estrofes ansiosas por traduzir e eternizar (vã e sábia ilusão!) os desvelos e mistérios dos homens e dos dias. Sonata de profundezas.

“Vi-me, então, no calvário iniludível das horas./ Resolvi, sereno, desistir e entregar-me./ Navegaria nessa sonata de profundezas.”

Algumas vezes, a garra adunca de Eros assumia a minha pena, e mergulhava-me todo em “Cânticos de danação”.

Envergonhado, largava o mister poético e fechava-me em copas de ‘santidade’. Para, em poucas horas, entregar-me profundamente aos lampejos melífluos de uma paixão-tesão insana.

“Nos ouvidos, ecos de Eros,/ Em ganidos e urros loucos/ — Cânticos de danação.”

Aqui estou a falar daquilo que se tem pouco a dizer. Na raiz de tudo, a inquestionável impossibilidade do contentamento. A revolta contra o fim, a rotina, ou contra o caminhar com os limites (freios!) à mão. A poesia tem cheiro de infinitude. Tem ares de eternidade, apesar da sua estreita ligação com a realidade que nos cerca (e enerva).

No fundo, no fundo, divisamos apenas “Frestas”.

“Nada a rezar/ Nem ao menos a duvidar./ Nada de sol nem de cor./ Em torno, bem no entorno,/ Apenas frestas, poucas/ Frestas ao sentenciado.”

Se me fiz poeta? Se me tornarei imortal?

Não sei, sinceramente não sei. Apenas sei que não quero viver sem a companhia da minha poesia. Tosca, desajeitada, desritmada... Mas é ela quem sabe falar melhor de mim, e a mim. “Remissão tardia”.

“Menti,/ Quando te disse/ Que escrevia poemas.”

Biscuí, todos os meus livros deságuam em ti. Novenário é dedicado aos nossos filhos — Artur, Mateus e Lucas Francisco —, sementes de amor. Assim como eu, discípulos teus.

Apenas desejo que Novenário de espinhos não seja mero espinho prosaico, visto que tem a pretensão de novenário poético.

Visitai as páginas-contas deste meu Novenário.

Lá, tereis “Um tanto assim” de angústia; no entanto, um bocado assim de enfrentamento. Servirei o “Café das cinco”, com Miriam Carrilho e Rizolete Fernandes. Sob a guarda da arte augusta de Augusto Paiva, em fotos de Fred Veras, e com desenhos de Augusto, Lourenço e João Helder Alves Arcanjo, meu mano caçula. Todos eles meus fiéis companheiros de utopia literária, salvadores do meu Novenário.

“Altissonante”, lembrar-vos-ei de duas companheiras traquinas: a vida e a morte. Contudo, comprometo-me, pronunciarei poucas verdades e um punhado de indagações...

Ou seja: “Um viver, da memória, povoado”.

Novenário de espinhos — “Vem da grota, o rumorejo,/ Balbucio de inquietações,/ Sibilos dos fantasmas,/ Musgos dos ancestrais.”

Que a literatura cubra, e redima, os meus pecados de escrevinhador. Amém.

Muito obrigado, e tenhais paciência com a minha poética. Não olheis as minhas faltas líricas, mas a fé que anima a minha tosca poesia.

Entrevista de Clauder Arcanjo para a GAZETA DO OESTE Caderno EXPRESSÃO

Maio de 2011

Gazeta do Oeste – O que significa a posse na Amol?

Clauder Arcanjo – Antes de tudo, um generosos presente dos homens de letras de Mossoró a este aprendiz de escrevinhador. Para mim, a oportunidade de trabalhar mais para a literatura de nossa querida província. Como sei que o desafio é sempre maior do que as minhas habilidades, prometo muita dedicação e persistência, pois, parafraseando a Bíblia, uma fé literária sem obras é letra morta.

Gazeta do Oeste – Comente sobre o patrono da cadeira 30, o jornalista e fundador de O Mossoroense, Jeremias da Rocha Nogueira.

Clauder Arcanjo – Jeremias da Rocha Nogueira é um ícone da imprensa mossoroense; melhor, da imprensa potiguar e nordestina. Em épocas onde tudo era mais difícil, ele arregimentou mentes e músculos para fincar as bases de uma imprensa local de qualidade. Um trabalho quixotesco, mas, felizmente, repleto de frutos. A geração atual se surpreende com o número de periódicos diários de nossa Mossoró, porém, se estudassem um pouco mais a vida intelectual desta Terra de Dorian Jorge Freire, saberia que tudo se deveu a homens como Martins de Vasconcelos e Jeremias da Rocha Nogueira, dentre outros. Será que os nossos estudantes de Comunicação já leram acerca deste grande mestre?

Gazeta do Oeste – E acerca do último ocupante, o contista Milton Pedrosa.

Clauder Arcanjo – Milton Pedrosa foi um profícuo e zeloso homem de letras. Radicando-se em Minhas, e depois no Rio de Janeiro, produziu uma obra literária digna e pujante. Crônicas, artigos, contos, resenhas e romance. Em especial, Passos cegos. Romance esse ambientado em Mossoró, lastreado em uma prosa enxuta e precisa. Milton Pedrosa faria cem anos em 2011. Aprecio muito a sua narrativa, e não me canso de reler os seus escritos. Quando fui convidado para ocupar a sua cadeira, confesso, fui invadido por um misto de orgulho e medo. Orgulho, pois sou contista, de me ver na cadeira de um escritor que venero e aprecio, medo... pois não me vejo à altura do meu antecessor. No entanto, Elder Heronildes e os demais acadêmicos julgaram-me digno. Em especial, a advogada da minha indicação, a prosadora e poeta Zenaide de Almeida Costa. A ela, declaro em público, nunca posso negar nada.

Gazeta do Oeste – Como a Academia poderia potencializar suas atividades?

Clauder Arcanjo – O muito em cultura sempre é pouco. E o pouco, em cultura, se bem regado, pode ter a força telúrica de um grão de mostarda. A Academia, geralmente, expressa a operosidade dos homens e mulheres de uma época. E sinto que as confrarias, as agremiações, os institutos, os acadêmicos estão sendo cobrados a se envolverem e participarem mais da vida intelectual de nossa gente. E a nossa Amol não fará ouvidos de mercador a esse tão nobre clamor.

Gazeta do Oeste – Esses novos nomes que estão tomando posse já demonstraram vontade de mudar a perspectiva literária da entidade?

Clauder Arcanjo – Mossoró é terra de brava gente. A superação e a resistência se confundem com a nossa história. Os novos empossados, dispensa nominá-los, são homens de notório saber, detentores de uma obra já posta e respeitada. Isso tudo é um senhor passaporte para a construção de um novo amanhã.

Gazeta do Oeste – Como escritor, como você avalia o cenário literário local?

Clauder Arcanjo – Um misto de novidade e de tradição. A novidade encanta e provoca os mais jovens, desafia os acomodados, além de renovar o estrume das letras. A tradição chama-nos à humildade, ao respeito aos que nos antecederam. O sucesso, o maior desafio, é a comunhão equilibrada desses dois mundos. E, lutarei dia e noite, para que um mundo não destrua o outro. Eles se digladiam, contudo, paradoxalmente, ao se digladiarem, mais se fortificam.

Gazeta do Oeste – Como poeta, o que podemos encontrar em sua obra?

Clauder Arcanjo – Novenário de espinhos (Sarau das Letras) é, antes de tudo, um livro de principiante. Obra de um leitor apaixonado de poesia, de um homem sempre encantado com os mestres da poética: Drummond, Cecília, Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Martins de Vasconcelos, Cid Augusto, Marcos Ferreira, Kalliane Sibelli de Amorim, Jomar Rêgo, Antônio Francisco, Padre Antônio Tomás, Manoel de Barros, Castro Alves, Octávio Paz, Mario Quintana, Mário Gerson, Paulo de Tarso Correia de Melo, Lilia Souza, Ivan Junqueira, Sânzio de Azevedo, Miguel Torga, Rizolete Fernandes, Vianney Mesquita, Carlos Nejar, Afonso Romano de Sant’Anna, Aécio Cândido, dentre tantos e tantos outros. Nela, a luta para desvelar as minhas angústias, e as tragédias que nos rodeiam o dia a dia. Um canto amargurado, mas, para mim, deveras terapêutico.

Gazeta do Oeste – Novenário de espinhos – poesia ou prosa? – como defini-lo?

Clauder Arcanjo – Para mim, e Deus queira que para os leitores, um livro de poesia. Defini-lo? Não seria capaz. Deixo tal missão para os críticos e, claro, para os leitores.

Gazeta do Oeste – O poeta Clauder Arcanjo já encontrou “a sua voz interior”?

Clauder Arcanjo – A voz interior deste provinciano poeta está ainda tímida; à procura de sua identidade própria, diria. Tento conter-lhe a ânsia de afirmação, pois, assim como uma pessoa, essa coisa vem com o tempo. Quem sabe no próximo livro ela não se revele melhor! (risos...)

Gazeta do Oeste – Como você avalia o fazer poético? Quais as imagens, em sua opinião, necessárias para um “bom poema”?

Clauder Arcanjo – Pergunta capciosa, meu caro! Se soubesse respondê-la, bandeava-me de mala e cuia para a ensaística (mais risos...). Vejamos, no entanto, algo que me toca como leitor de poemas: um poema bem urdido cala-nos no fundo d’alma. Nesses momentos, a sensação que nos invade é a de que sempre queríamos ter escrito, ou dito, aquilo, só não sabíamos como. Muitas vezes, flagro-me, frente às grandes construções melódicas, gritando: “É isto! É isto!...” Numa espécie de vibrante eureka poético.

Gazeta do Oeste – Como mudar o cenário da literatura mossoroense, tão acanhada com os “velhos nomes de sempre”?

Clauder Arcanjo – Em primeiro lugar, os novos têm que correr atrás do seu lugar no palco literário. Em segundo, os “velhos nomes de sempre” devem ser respeitados; a tradição não deve ser vista como inimiga a ser dizimada. Cada letra vitimada tem como vítima maior a própria literatura. Há espaço para os dois mundos, insisto. E, o que é melhor, repito, um não pode, nem deve, viver sem a presença do outro.

Gazeta do Oeste – A poesia tem o espaço merecido na cidade ou é preciso fazer mais?

Clauder Arcanjo – Sempre é preciso fazer mais. Porém Mossoró não decepciona no campo poético, o que nos falta é um maior público leitor, desconfio que estamos cada vez mais a escrever para nós mesmos. E isso é muito ruim e perigoso. Não há escritor sem leitor. Não há poeta sem leitor de poesia.

Gazeta do Oeste – Suas considerações finais, Clauder Arcanjo.

Clauder Arcanjo – Quero sinceramente agradecer pela entrevista. E, para encerrar, um pedido (mais uma paráfrase... risos): não reparem na minha tosca poesia, mas, sim, na fé que anima este aprendiz de poeta.