domingo, 3 de julho de 2011

Contos para quinze de maio

Manjedoura

As ruas vazias, porque era noite de Natal, e um vento leve a varrer os reclames nas sarjetas. Ofertas tentadoras! Mas sempre inacessíveis ao velho homem.

Passou em frente à igreja. No adro, o repique engrolado dos sinos, chamada para a Missa do Galo. Pensou em benzer-se, a fé não lhe chegou à mão trêmula.

Um quarteirão depois, a fachada do grande hospital, emergência da cidade. Nele, o vermelho vivo. Não de Noel, mas do sangue dos feridos. Um padioleiro sonolento tangia uma mosca que insistia em beijar-lhe os lábios murchos.

Uma quadra a seguir, o restaurante: Cantinho do Amor. Mesas apinhadas; namoros novos, sem pretensão de casais. A ceia convertida em afagos lascivos. O maitre a incitar os garçons. “Ofertem mais bebida!”

Na praça do Centro, iluminação feérica nas fachadas das grandes lojas. No chão, meia dúzia de pombos, uma dezena de bêbados – em lençóis de jornais, manchetes anunciando o balanço do ano — e um mendigo a improvisar um repente natalino, na rabeca velha e desafinada. E um pardal, meio depenado, como a seguir o ritmo, bicando as migalhas que caíam da boca do esmoler.

O homem desceu a avenida, rumo à praia. O marulho das ondas abafado pelas músicas que escapavam dos apartamentos luxuosos. “É Natal! É Natal!...” E o vigia a ouvir as mensagens natalinas dos políticos no radinho de pilha.

Subiu a duna, e, ao abrir a porta do casebre, uma réstia do luar cortou o pequeno cômodo, pondo um halo de luz no seu catre.

Sentou, cofiou a barba branca, longa e postiça, enquanto uma lágrima imprevista rolava, caindo por sobre o saco vazio que trazia.

Lá fora, as ruas cada vez mais ermas, porque ainda era Natal, e um vento, agora um pouco mais forte, a querer tanger a noite e chamar pelo novo dia.


Maribondo

Intrigas, conversas, falatório... Picadas a fora, contra tudo e contra todos.

Um dia, a expulsão de casa. Pai austero, de hábitos metidos em honra.

A fuga para a cidade grande.

Quinze anos depois, o retorno. Logo na estação, uma nova agulhada desferida.

E o ceguinho da pedra do mercado, na viola, a emendar, na glosa seguinte, o mote do maribondo.


Mestre

Quando criança, uma cara fechada e metida no pensamento distante. Aos outros, primícias de sabedoria; em verdade, lembranças da palmatória incansável do padrasto.

Pixote, roupas largas e frouxas. Para os da rua, desprendimento material. Para os de casa, aproveitamento das vestes do mais velho.

No colégio, nas provas orais, rosto concentrado, silêncio fundo e hermético. Para os professores, a busca da resposta mais profunda; para ele, o vazio, o nada.

Hoje, passados vinte anos, desempregado, a profissão de conselheiro.

Ainda nenhuma sentença, mas, com seu silêncio, o galardão: “Mestre”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário