domingo, 3 de julho de 2011

Contos para vinte e nove de maio

Narcisa

Olhos amendoados. Mistura de raças, segundo os comentários das ruas.

Prenúncio de ancas redondas e rijas, cadência de samba nos passos e rosto de princesa de ébano na tez da face.

Os rapazolas, endoidecidos, no cerco da conquista. Ela, nada. Apenas, criança. Com as bonecas, com as casinhas, com as danças.

Um dia, no rio, a imagem na água parada. A beleza como susto. Na volta, a quebra da pureza de Narcisa.


Náusea

Jeca meteu-se por entre a multidão. Ouviu o prefeito, o padre, o delegado, o pastor, o causídico, todos a discursar a favor dos menos favorecidos.

Quando a multidão se dispersou, os oradores sacudiram as palavras vazias e meteram-se na rotina burguesa.

E o pobre Jeca, que a tudo assistira boquiaberto, voltou para o seu casebre estômago em náusea, mais vazio ainda.


Nonato Lábios de Tesoura

A humildade dos pais: parvoíce de matutos. A calma da pequena vila: cemitério de néscios. O esforço do velho mestre: naftalina pedagógica. As meninas do lugarejo: raparigas insípidas.

Na juventude, a saída. “Cambada de medíocres! Já vou tarde.”

Na curva seguinte, a paz nas ruas e as lágrimas nos olhos dos pais.

Uma década após, a volta de Nonato. Num caixão de pinho barato. Rixa de cidade grande. Os lábios de tesoura fechados a pólvora.

No velório, os pais, duas carpideiras e um bêbado solícito e conversador a lembrar as façanhas de Nonato. Cuidaram, então, de abreviar as rezas e enterrar o morto.

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