domingo, 3 de julho de 2011

E Acácio conheceu o Novenário de espinhos

Menti,
Quando te disse
Que escrevia poemas.
(Novenário de espinhos, de Clauder Arcanjo)


— Companheiro Acácio!...

Nem me deixou continuar, foi logo cuidando de me frear o verbo.

— Que história é essa de lançamento de livro de poesias!...

Percebi uma nesga de fúria nos olhos sempre mansos do Velho Acácio. Quis ganhar tempo, interpondo um palmo de silêncio no nosso diálogo, porém, sempre de sorrelfa, avaliando a reação no semblante do amigo. Nada, tudo em vão.

— Vai me explicar, ou precisarei recorrer ao meu sexto sentido literário?

Engoli a saliva, a cabeça em redemoinho, à procura, desesperada, de um argumento que lançasse um balde de água fria naquela situação.

— Todos nós somos poetas, Acácio!

— Não me enrole. Em primeiro lugar, essa máxima nem é sua. Não se valha dos versos do paraibano Bráulio Tavares.

Enveredei por outro atalho.

— A poesia me tomou a pena; quando dei por mim, um amontoado de poemas enchia-me a gaveta de guardados.

— E desde quando um maço de papéis rabiscados é livro de poesia?!...

— Não quis dizer isso, companheiro! Apenas reforço que dei tempo ao tempo. Não agi de afogadilho. Outro detalhe importante: submeti-os à leitura de amigos poetas, e eles me incentivaram a estrear no mundo de Castro Alves.

Nesta hora, laivos de sangue invadiram os olhos de Acácio. Isso sem falar num rubor violeta que lhe pintou as orelhas e parte do rosto, antes tão macilento.

— Mundo de Castro Alves!? Santa pretensão!

— Vali-me de uma figura de retórica, Acácio. Não estou, não seria louco para tal, me comparando ao vate baiano.

— Não posso negar que o título é interessante: Novenário de espinhos. Você colou isso de onde?

Neste momento, o rubor migrou da face de Acácio para a minha. Incontinenti, disparei:

— Você me conhece, Companheiro Acácio. Não sou homem de me apropriar do alheio. Novenário de espinhos é título de um poema que escrevi há alguns anos. Desde aquele dia, reservei-o para abrir um livro meu, caso entendesse que conseguisse uma coletânea de versos que me agradasse. Passado algum tempo, fui me convencendo, e sendo convencido, de que chegara a hora de levar a lume os meus poemas de aprendiz.

— Não se faça de humilde. Não para mim, que lhe conheço tão bem. No fundo no fundo, todo menestrel de província se acha um injustiçado, um banido pelas grandes editoras nacionais, sempre pronto a ocupar o panteão da glória, caso suas construções líricas cheguem ao conhecimento do público do Sul e Sudeste! Seria o seu caso, receio.

— Acácio, percebo que hoje você amanheceu com o espírito do conflito instalado na língua e no peito. Como tenho um enorme carinho por você, prefiro encerrar por aqui o nosso colóquio. Vá ao lançamento na noite do dia 27 de maio de 2011, sexta-feira, às 19h, nos Jardins da Tv Cabo Mossoró (TCM); depois, leia Novenário de espinhos de forma desarmada e, na semana seguinte, a gente se encontra para um contraditório. Só não me peça explicação para cada um dos meus poemas, a explicação de um poema está no próprio poema... Antes que você me assaque, novamente, a pecha de plagiador, esclareço: essa lição eu aprendi com o mestre potiguar Paulo de Tarso Correia de Melo.

— Tá bem! Tá bem! Assim o farei. Você poderia, então, recitar, em voz alta, um dos poemas de Novenário?!

— ...

— Ande, Po-e-ta! Um qualquer. Apenas um.

— ...

— Vamos lá. Mostre sua arte e seu engenho. Sou todo ouvido.

— Não sei nem um dos meus poemas de cor.

— E ainda espera que eu acredite que você é um poeta!? Tenha paciência!

Deu as costas, e me deixou só com o meu rubor.

Voltei para casa, em passos miúdos, moendo, e remoendo, cada uma das sentenças do Companheiro Acácio.

Horas depois, cá comigo, a ponta de uma discreta certeza: Novenário de espinhos fala de mim, foi importante para a minha sobrevivência ao traduzir as minhas dores, ao desovar as minhas angústias e desventuras.

Se ele conseguirá obrar tal graça aos outros?

Sinceramente, leitor, não sei.

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