Na noite do dia 27 de maio, coloquei sobre a nossa mesa, caro leitor, o meu terceiro livro — Novenário de espinhos (Sarau das Letras).
Não me peça para descrevê-lo; uma obra poética, para mim, é algo indescritível. Misto de dor e riso, alquimia de lágrimas e venturas, amálgama de solidão e companheirismo. Sob certo ponto, compasso de espera e avanço. Imbricação de louvação e amarguras. Banho de bem-aventuranças e desamparos. Luz dos olhos, escuridão dos renegados.
Sim, uma coletânea de poemas é deveras singular. Capricho das mãos, pulsar dos intestinos, resfolegar do espírito, antojo da alma. Novenário de espinhos.
“Oh, céus! Oh, céus!/ Quem obra por Cristo?”
Novenário de espinhos II
Quando (lá se vão alguns anos) me vi de braços com a poesia, um rubor invadiu a minha face, um tremor assomou-me às mãos. Trêmulas mãos.
O cantar das ‘musas’ rasgava-me, então, a carne, e um fogo novidadeiro consumia-me todo.
Quase sempre a madrugada jogava um manto pardo sobre os meus escombros, e eu corria, feito louco infatigável, atrás de um verso bissexto. Pela manhã, no sereno da dor, tal cantiga de galo, menestrel das idiossincrasias da noite, flagrava-me com várias folhas repletas de rabiscos, estrofes ansiosas por traduzir e eternizar (vã e sábia ilusão!) os desvelos e mistérios dos homens e dos dias. Sonata de profundezas.
“Vi-me, então, no calvário iniludível das horas./ Resolvi, sereno, desistir e entregar-me./ Navegaria nessa sonata de profundezas.”
Novenário de espinhos III
Algumas vezes, a garra adunca de Eros assumia a minha pena, e mergulhava-me todo em “Cânticos de danação”.
Envergonhado, largava o mister poético e fechava-me em copas de ‘santidade’. Para, em poucas horas, entregar-me profundamente aos lampejos melífluos de uma paixão-tesão insana.
“Nos ouvidos, ecos de Eros,/ Em ganidos e urros loucos/ — Cânticos de danação.”
Novenário de espinhos IV
Aqui estou a falar daquilo que se tem pouco a dizer. Na raiz de tudo, a inquestionável impossibilidade do contentamento. A revolta contra o fim, a rotina, ou contra o caminhar com os limites (freios!) à mão. A poesia tem cheiro de infinitude. Tem ares de eternidade, apesar da sua estreita ligação com a realidade que nos cerca (e enerva).
No fundo, no fundo, divisamos apenas “Frestas”.
“Nada a rezar/ Nem ao menos a duvidar./ Nada de sol nem de cor./ Em torno, bem no entorno,/ Apenas frestas, poucas/ Frestas ao sentenciado.”
Novenário de espinhos V
Se me fiz poeta? Se me tornarei imortal?
Não sei, sinceramente não sei. Apenas sei que não quero viver sem a companhia da minha poesia. Tosca, desajeitada, desritmada... Mas é ela quem sabe falar melhor de mim, e a mim. “Remissão tardia”.
“Menti,/ Quando te disse/ Que escrevia poemas.”
Biscuí XVIII
Biscuí, todos os meus livros deságuam em ti. Novenário é dedicado aos nossos filhos — Artur, Mateus e Lucas Francisco —, sementes de amor. Assim como eu, discípulos teus.
Viniciando XIX
Que não seja espinho prosaico, visto que é novenário poético.
Convite
Convido-te, leitor deste “Caderno CA”, a visitar o meu Novenário de espinhos.
Lá, tu terás “Um tanto assim” de angústia; no entanto, um bocado assim de enfrentamento. Servirei o “Café das cinco”, com Miriam Carrilho e Rizolete Fernandes. Sob a guarda da arte augusta de Augusto Paiva, em fotos de Fred Veras, e com desenhos de Augusto, Lourenço e João Helder, meu mano caçula. Meus companheiros, salvadores do meu Novenário.
“Altissonante”, lembrar-te-ei de duas companheiras traquinas: a vida e a morte. Contudo, comprometo-me, pronunciarei poucas verdades e um punhado de indagações...
Ou seja: “Um viver, da memória, povoado”.
Novenário de espinhos — “Vem da grota, o rumorejo,/ Balbucio de inquietações,/ Sibilos dos fantasmas,/ Musgos dos ancestrais.”
Clauder Arcanjo — Escritor
aclauder@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário