segunda-feira, 26 de setembro de 2011

E ACÁCIO CONHECEU LICÂNIA (PARTE V)

Entrei em Licânia, na companhia do mestre Acácio, na semana passada. Recepcionado por uma tulha de lixo! Nem gosto de lembrar.

— Caterva de maus administradores! — ouvi da boca do próprio Companheiro; fazendo eco ao desabafo deste provinciano, gravada nesta página no domingo pretérito.

Pois bem. “Não é o caso de perdermos a classe, nem tão pouco de deixar de curtir as graças da minha província.” — concluí, cá comigo.

Fechei as narinas ao mau cheiro da incômoda recepção, conduzindo, às pressas, o carro em direção à praça Padre Antônio Tomás.

Lá, fomos recebidos por um trinado mavioso dos pássaros da minha terra. Era manhã, o sol mal despontava no horizonte, e o passaredo, em algazarra lírica, deixava as copas dos benjamins e algarobas rumo à mataria das ribanceiras do rio Acaraú.

— Não há despertador melhor para qualquer cidadão: ser acordado por este chilreio.

— ...

Não gosto das reticências. Em especial, as que saem do bestunto de Acácio. Mas, fiz de conta que não as percebera. O desgosto do lixão, exposto na entrada de Santana, já me seria problema suficiente a administrar durante o longo dia com Acácio, e suas cruéis e ferinas admoestações.

Descemos do carro, e dirigi-me ao busto do Poeta. Em voz alta, recitei “O Palhaço”, soneto afixado, em bronze, no monumento a Padre Antônio Tomás.

Ontem via-se-lhe em casa a esposa morta

E a filhinha mais nova tão doente!

Hoje, o empresário vai bater-lhe à porta,

Que a plateia o reclama impaciente.

(...)

— Um soneto primoroso assim tem que ser lido com a voz da alma, caro amigo. Nada de arroubos no campo da verdadeira Poesia. Contenha-se! — calou-me Acácio.

Ficamos os dois, silentes e estáticos, juntos ao Príncipe dos Poetas Cearenses; à sombra de uma pequena árvore, pois o sol já se postara alto.

Não sei quantos minutos ficamos ali. Só senti que uma aura de lirismo invadiu-nos corpo e espírito, e fomos arremessados para os desvãos do não-tempo.

Fui trazido de volta por um brado, som e fúria.

— Pardal de uma figa! Pássaro dos diabos!

— Calma, companheiro Acácio! O que foi? Qual o motivo de tantos impropérios?

— Não estás vendo. Não estás vendo!...

Companheiro Acácio, caro leitor, havia sido “batizado”, no alto do seu cocuruto, pelas fezes de um pardal travesso.

— Saio da minha cidade, a mais de quinhentos quilômetros, para ser emporcalhado pelo excremento de um pardal licaniense. Só me faltava essa. Só me faltava essa!

Passei-lhe o meu lenço; a ira fê-lo recusar.

Como a casa dos meus pais era logo na esquina, toquei-o para a residência dos meus genitores. Um bom banho restituiria-lhe o bom cheiro, e espero, a boa prosa.

Entrou casa adentro sem nem responder ao bom-dia do meu pai, o nosso querido Zequinha.

— Só me faltava essa. Só me faltava essa!... — ainda bradava Acácio, debaixo do chuveiro.

No próximo domingo, prometo, contarei como tudo terminou. Ou continuou!?...

Clauder Arcanjo — Escritor


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