segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Caderno CA (Parte LXXXIV)


Clauder Arcanjo

Uma página ao amor e à paixão (II)

Longe de casa, em alto-mar, a assistir o oceano ser drapeado o seu tecido de ondas com laivos de branco sobre um manto de azul saudade. Mas nada me encanta sem o brilho dos teus olhos; pois nada me encanta mais de que a luz da tua face, de que o calor dos teus lábios, de que o cheiro de tuas madeixas, minha amada Biscuí.

Estou cansado, os olhos me pedem cama e lençol, o corpo se desespera em procura do descanso, mas tu (melhor, a tua falta) me mantém em vigília, dado que meus olhos teimam em vislumbrar a tua face ao meu lado — divino espectro —; enfim, a tua companhia bem junto à minha solitude.

Não há, não há (insisto e persisto), para mim, felicidade sem a tua presença, sem os teus conselhos de descanso e serenidade, advogando, incansavelmente, de que reserve a minha energia para a nossa família, egoísmo santo de quem ama, e bem cuida. Eu sei, eu sei. Apesar de fazer ouvidos moucos ao teu zelo, querida.

Lá fora, bem distante daqui, antevejo o desatino das ruas, miríade de homens e mulheres a pensar (santa inocência) que a solteirice trará o lenitivo de suas angústias. Tudo em vão. Não se dá completude sem o gregarismo da paixão. No meu caso, fui feito (e refeito) para ti, Biscuí. Os defeitos que levo às costas, num bornal indiferente às tuas orações, são denúncias cabais não da tua omissão, nada a ver com teus hercúleos esforços, contudo (mea culpa, minha máxima culpa) tudo a ver com a minha rematada ranzinzice. Tu pões, e eu não disponho, algumas vezes.

Minha sorte é que, concluo depois de quase trinta anos de convívio, tu não desistirás da minha “santificação”. Teus santos óleos, Luzia, teu glorificado amor me redimirão; tu acreditas, e eu me entrego às tuas crenças e bênçãos.

Denuncio, e anuncio, ao mundo que sou um escravo do teu desvelo, que ando acorrentado à tua aura de proteção e adoração. Escravidão de que não quero alforria, nem muito menos abolição. Eu que não mereço, eu que não sou digno de tão excelsa punição.

Contudo, graças a Deus, o amor não tem em seu tomo de dogmas o primado da lógica. Nele, no mais das vezes, impera o inopinado, o inaudito, o inconcebível, o inexplicável. Ou seja, um bazar do extraordinário.

E, hoje, neste mar azul junino (que, para alguns, é causa de riso e de contentamento, mote de versos de encantamento), o peso da nostalgia comprime ossos e músculos, carne e espírito, e eu não consigo chorar. E por isso, sem o bálsamo das lágrimas pias, o corpo se curva, e a palavra quer calar, numa tentativa desesperado de voltar para dentro de mim, e ouvir o eco do teu murmúrio de amor, Biscuí.

Ao retornar para casa, no final deste mês, a única fogueira que me importará será aquela feita pelo calor dos teus abraços, pela chama percuciente do teu beijo.

E, só então, para mim, tudo voltará a se encobrir do verdadeiro azul, e o sertão, mesmo que alguns não entendam, se transmudará em mar.

Que esta página chegue a ti, Biscuí; no entanto, leia-a sabendo da insuficiência do verbo em traduzir tanta alma e tanta carne. A palavra nunca poderá exprimir um caso de amor como o nosso, Luzia, um caso afortunado de corporificação da divinal paixão.

Mesmo com o risco de parecer piegas, encerrarei com uma declaração velha e revelha:

—Eu te amo, Biscuí. Eu te amo.

Clauder Arcanjo — Escritor

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