segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Contos para sete de agosto


Clauder Arcanjo

Telha-vã

Gota a gota. O soro na veia. Na lembrança, as goteiras da velha casa. Grande e de telhas-vãs. Encolhido na rede, de olho no alto da cumeeira. A chuva e o seu barulho, viço da invernada. O susto do relâmpago, luz na noite do sertão.

Agora, essas gotículas de soro. No leito, de olho no azul e branco das paredes do hospital. Teto baixo, forro de gesso. Saudade gotejante. O relâmpago na vista trêmula, medo do esmaecimento de uma vida vã.

***

Tenor de velório

Noite sem morcegos e corujas. Igreja com esquife. Um corpo e sua meia dúzia de conhecidos. Gente pouca, reza fraca. Ave-marias em murmúrio. Parcas lágrimas. Vigília longa.

De repente, a beata e seu cântico. Desafino geral. Constrangimento.

Novo início. A tentativa de limpeza das gargantas.

Então, o surgir de algo limpo e forte. A curiosidade. Um bêbado, com ares de tenor. Um gregoriano. Única glória do humilde velório.

***

Terral

Areal medonho, praia sem pássaros, algas nas pedras. Uma lua matreira por detrás dos morrotes. Um sol imaginário.

Em tudo, um silêncio profundo, encordoado com o marulho queixoso das vagas contidas.

Deitada na rede, uma moça suspirosa. Um sonho de princesa nos olhos fundos de praieira. Único terral à beira-mar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário