Clauder Arcanjo
Rabo de palha
Rio de águas barrentas, a subir rápido. Cidade em pânico, medo que o açude nas cabeceiras não suportasse a força do inverno.
— Vixe Maria. Ai, meu Deus!...
As beatas oravam cada vez mais, e quem nunca rezou passou a rezar.
Em meio a tudo, Maria a lavar sua trouxa de roupa, impassível. A cantar uma modinha marota, apesar da gagueira incurável. “Quem te en...sinou a na...dar, ma...rinhei...ro!”
José, de folga do caminhão, metera-se na pinga. Alterado, deu para profetizar calamidades, desejoso de desgraça. Ao ver Maria, desembuchou:
— Ah, se a tromba d’água viesse, mulher. Seria muito bom, mataria afogado todos os cornos desta terra.
Maria arrematou, sem levantar os olhos do vestido que lavava:
— Jo...sé, Jo...sé! Tu num sa...be nadar, José!
***
Rebotalho
O cozido magro na trempe, migalhas da mesa anterior. Peles de fumo mascadas na boca vazia, último resto de prazer. Olho vago por cima do ombro seco. Grunhido e malquerença muda. Um atrás da outra.
Dias pequenos e inúteis, arrastado de horas. A palidez dos sonhos, o vazio do agora. Refugo, ralé em vida. No dobrar dos anos, a marca da alcunha: Rebotalho!
***
Rede de balanço
Café preto e pão dormido. O mastigar calado, bocas mecânicas.
O recolhimento dos pais, ronco fundo no catre velho do quarto. A casa e o vazio da noite.
Zezé a correr para a varanda da casa. Lá, a arrumação da rede nos armadores altos, com a ajuda dos tamboretes velhos. O início do balanço, o rangido.
Em pouco tempo, a rede de balanço a levar o menino para outros mundos. Puxado pelos cantos, pelas imagens, mas, principalmente, pelos sonhos.
A manhã flagrava uma poça de mijo no chão de tijolos do alpendre, única marca da viagem da noite anterior. Atribuíam-na às artes do carneiro enjeitado.
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