Clauder Arcanjo
Telha-vã
Gota a gota. O soro na veia. Na lembrança, as goteiras da velha casa. Grande e de telhas-vãs. Encolhido na rede, de olho no alto da cumeeira. A chuva e o seu barulho, viço da invernada. O susto do relâmpago, luz na noite do sertão.
Agora, essas gotículas de soro. No leito, de olho no azul e branco das paredes do hospital. Teto baixo, forro de gesso. Saudade gotejante. O relâmpago na vista trêmula, medo do esmaecimento de uma vida vã.
***
Tenor de velório
Noite sem morcegos e corujas. Igreja com esquife. Um corpo e sua meia dúzia de conhecidos. Gente pouca, reza fraca. Ave-marias em murmúrio. Parcas lágrimas. Vigília longa.
De repente, a beata e seu cântico. Desafino geral. Constrangimento.
Novo início. A tentativa de limpeza das gargantas.
Então, o surgir de algo limpo e forte. A curiosidade. Um bêbado, com ares de tenor. Um gregoriano. Única glória do humilde velório.
***
Terral
Areal medonho, praia sem pássaros, algas nas pedras. Uma lua matreira por detrás dos morrotes. Um sol imaginário.
Em tudo, um silêncio profundo, encordoado com o marulho queixoso das vagas contidas.
Deitada na rede, uma moça suspirosa. Um sonho de princesa nos olhos fundos de praieira. Único terral à beira-mar.
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