segunda-feira, 26 de setembro de 2011

E Acácio conheceu Licânia (Parte III)


Clauder Arcanjo

Há duas semanas, Acácio e eu deixamos Mossoró. Rumo a Licânia.

Levei uma crônica para tirar Acácio de Mossoró, e outra (coisas da idiossincrasia acaciana) na nossa viagem até Fortaleza.

Pois bem, restabelecido do relato anterior, continuemos. Como restabelecido?!...

Você não conhece Companheiro Acácio, dileto e inocente leitor desta página dominical! Acácio, quando quer e bem entende (e quase sempre quer e pretende), põe (e dispõe) qualquer mortal com os nervos na antessala da loucura. Estado que, infelizmente, adentrei em solo alencarino.

Chegamos a Fortaleza e cuidei de recorrer aos olhos de minha musa, Biscuí. Ela não pronunciou nenhuma palavra. Não foi preciso; simplesmente pôs toalha branca e sabonete nas minhas mãos e apontou-me o caminho do banho. Isso sem não antes dar-me um copo de suco de maracujá. Copo duplo.

Sorvi-o, com as mãos trê-mu-las.

— Minha senhora, seu esposo dirige pior do que escreve. A senhora já sabia?

Mal fechou os lábios, Acácio sentiu a fúria de Luzia. Na forma de um raio de recriminação que lhe fuzilou a face macilenta. Energia de mil megatons.

Sem jeito e sem argumento, cuidou de se retirar. Quis saber onde ficava a casa de banho, e tomou uma ducha demorada.

Hora depois, Acácio adentrou à sala, dando de cara com todos sentados à mesa. Sogro, sogra, meus filhos mais velhos, e Luzia. Com seu olhar de loba ferida.

Raras vezes jantei envolto em tamanho silêncio. Silêncio constrangedor, que fique bem claro, não nego. Mas como eu precisava daquela paz modorrenta para recuperar-me de uma viagem tão torturante!

“E terei que ter forças para conduzi-lo por mais longas léguas até Santana.”

— Senhora Luzia, permita-me: a senhora cozinha melhor de que seu marido verseja. A senhora já sabia?

A emenda ficou pior do que o soneto.

Em fração de nanosegundo, Biscuí pôs em Acácio seus olhos em brasa, a mastigar, por entre os lábios rijos:

— Tudo aqui servido foi arte de minha mãe, senhor.

Luzia deu as costas, e tomou o rumo da cozinha. Não sem bocejar um dialeto imperceptível aos linguistas de plantão, no entanto plenamente traduzível pelo gestual que o acompanhava.

Um fosso de silêncio se interpôs entre Companheiro Acácio e minha musa inspiradora.

É claro que, na maioria das vezes, eu fiquei ao lado de Acácio em suas lutas quixotescas, em seus longos embates policarpo-quaresmais, em suas (por mais descabidas que fossem) filosofices provincianas... Mas ficar contra minha Biscuí!?... Isso nem pensar.

Acácio viu-se em papos de aranha. Sem saída, fechou-se em copas. Deitou-se cedo, fingindo uma dor de cabeça inverossímil.

...

No outro dia, antes do sol por os olhos no horizonte, fui desperto por risadas frouxas e dadivosas.

Abri a porta do quarto e, ainda tonto de sono, encontrei Companheiro, em mangas de camisa, a rir desbragadamente das histórias infantis contadas por Helena, nossa cozinheira.

— Acácio?!...

— Meu querido amigo, sua servidora revelou-se-me uma boníssima contadora de causos. Tão boa, creia-me, quanto você em seus contos de Licânia.

...

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