segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Contos para trinta e um de julho

Clauder Arcanjo

Sova

A arraia e suas cores. A montagem levou horas, quase o sábado. Papel, grude, fios, cera e paciência.

Irineu pôs os olhos no meu papagaio. Queria-o. Disse-lhe que fizesse o seu. Respondeu-me com um olhar de intriga.

Quando ganhei o campo, senti, nas minhas costas, a pipa, o bafo de meu padrasto e a risadinha traquina de Irineu.

A delação doeu mais do que a sova.

***

Sus

Sempre amigo das expressões antigas, revestidas com a pátina dos anos, esquecidas pelos intelectuais ligeiros. “Feito nas entrepernas. Discípulos da fugacidade, inimigos da gramática e do vernáculo!” esbravejava nas ruas.

Certa vez, ouvindo um discurso improvisado, repleto de respeito à língua pátria, levantou-se, pediu um aparte e disse: “Eia! Sus!...”

O silêncio da ignorância. Escuro e profundo.

Um dos médicos presentes, profissional de ilibada sapiência, não perdeu tempo, conduziu-o ao plantão do Sistema Único de Saúde (SUS) da municipalidade.

Antes de ser jogado na enfermaria, a tentativa duma explicação: “Sus é uma interjeição, malta de muares! Sinonímia de ‘Avante!’”

Novo silêncio. Desta feita, com sua explicação, a transferência para o hospício. No prontuário: “Caso grave”.

***

Tapera

Mato nas frestas. Paredes velhas. Abandono nas bicas e goteiras.

À noite, o pio da coruja, chamamento de João e Lúcia, em sono de espera. O salto da rede, o deitar no estrado de correias, rangido de couro, carcomido pelo uso.

A mistura dos dois, enfiados, um dentro do outro. Os uivos de Lúcia; o prazer, madrugada inteiriça, de João.

Raiar do dia, o sol pelas frinchas... A pobreza e dois corpos suados como mobília da tapera.

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